Muitas questões, atualmente, são discutidas no feminismo: racismo,
lesbofobia, machismo... todas essas opressões existem e têm representatividade
material na sociedade em que vivemos. Contudo, o debate sobre gordofobia
continua escasso - e quando existe, é permeado de preconceitos e "lugares
comuns". É comum ouvirmos que pessoas gordas não são saudáveis ou que ser
uma pessoa gorda é algo intimamente ligado à ingestão de comidas gordurosas e
fast foods. Sintetizando: quando ouvimos falar de pessoas gordas,
automaticamente associamos à falta de saúde e ao desleixo. Pessoas gordas e,
principalmente, mulheres gordas, sofrem enorme pressão para se adequarem a um
padrão de magreza que é, muitas vezes, inalcançável, seja por motivos
hormonais/endócrinos ou por pura e simples falta de vontade. Sim, falta de
vontade! Há pessoas gordas felizes com seus corpos. Nem todas elas querem
passar por cirurgias e dietas malucas. Na verdade, a grande maioria de nós só
quer viver em paz e ter o direito de existir, exercendo nossa cidadania
normalmente.
Historicamente falando, o padrão magro nem sempre foi o dominante.
Podemos analisar, por exemplo, a Idade Média ou mais especificamente o
feudalismo europeu, no qual as mulheres magras eram as camponesas e as mulheres
"curvilíneas" eram parte da nobreza. Isso acontecia porque as
camponesas acabavam tendo que doar boa parte de suas plantações para os nobres
e praticamente não tinham o que comer. Portanto, a magreza era automaticamente
associada à falta de "dinheiro" (na época não havia moeda) e à
pobreza. Por causa desse fato, ser uma mulher "gordinha" significava
fazer parte da nobreza feudal e, por consequência, esse padrão acabava por
tornar-se dominante. As camponesas eram ridicularizadas por sua magreza e as
nobres eram exaltadas por suas "curvas". Essa pequena perspectiva
histórico-social nos mostra que os padrões de beleza estão diretamente ligados
à infraestrutura, ou seja, ao modo de produção. Com a transição do feudalismo
para o capitalismo, esse padrão feudal é mantido até que o capitalismo se
consolide e passe a dominar todas as esferas da sociedade.
De acordo com os meus estudos sobre o assunto, a partir de meados de
1960/70 o padrão magro começa a tornar-se dominante, principalmente com brusca
mudança na produção de alimentos e com o advento das grandes indústrias de
moda. No Brasil, é possível observar que a maior parte dos alimentos "gordurosos",
cheios de açúcar e sódio, sempre foram mais baratos e de fácil acesso. É
difícil manter uma dieta que vise o emagrecimento quando você faz parte da
classe trabalhadora e não tem tempo para ficar escolhendo a dedo os produtos diets,
lights ou de qualquer variação desse tipo - principalmente sendo mulher e
fazendo jornada dupla/tripla. Ser mulher e enquadrar-se nesses padrões é
tenebrosamente difícil devido à rotina que a sociedade joga em nossas costas:
"Cuide dos filhos, cuide do marido, cuide da casa, cuide do jardim, cuide
de todos, cuide do seu corpo, cuide, cuide cuide, não coma, não durma,
emagreça, seja sensual, mantenha-se "em forma"". Toda essa
situação tem influências do patriarcado capitalista, já que os alimentos da
classe dominante são refinados, lights, diets, 0% de gorduras trans, com carne
de gansos do Alabama ou caviar de peixes do mar mediterrâneo... é, obviamente,
mais fácil ser uma pessoa rica ou de classe média alta e manter-se magra. Mas
não basta. A questão de classe, no que tange gordofobia, não basta.
Há muitas pessoas gordas que não são gordas pelo tipo de alimento que
ingerem, mas sim pelo seu organismo. Metabolismo lento e algumas diferenciações
hormonais afetam na perda e no ganho de peso, podendo modificar a forma como as
mudanças no corpo acontecem. Por exemplo, tenho amigas gordas que são veganas,
ingerem somente frutas, legumes, verduras e derivados da soja - alimentos que
são relativamente mais caros do que a carne enlatada comum ou a feijoada. A
questão de classe, de fato, está ligada à gordofobia, mas não a compõe
totalmente, já que pessoas gordas são diferentes entre si e formam um grupo
heterogêneo com diferenciações e especificidades.
A presidenta Dilma é o melhor exemplo que posso dar de mulher gorda, rica, com
grande poder político e aquisitivo, mas que continua sendo vítima de
gordofobia. Ela é uma senhora de 67 anos e foi chamada de "butijão de
gás" pela roupa que vestiu durante sua posse, no início de janeiro. Esses
ataques à Dilma são recorrentes: ao invés de criticar seu governo ou, quem
sabe, seu partido, as pessoas (magras) decidem criticar o seu tipo corporal. De
acordo com alguns jornais, ela fez uma dieta e perdeu 5kg para sua posse.
Dilma, cedendo às pressões da sociedade, perdeu 5kg em uma dieta que
provavelmente a privou de boa parte dos alimentos que lhe davam prazer para se
encaixar nesse padrão e não sofrer tanto com os ataques ao seu corpo.
Resultado? Sofreu tanto quanto antes ou até mais. Quando foi divulgada a dieta
utilizada, as pessoas (magras) continuaram zombando do corpo de Dilma, como se
uma senhora de 67 anos tivesse a obrigação de manter-se magra, sacrificando sua
saúde para isso. Para elas, não importa que isso vá afetar Dilma física ou
emocionalmente - o importante é ela estar "agradável" aos olhos
preconceituosos de quem a julga. Ser uma economista e líder de uma das maiores
nação do mundo, 6ª maior economia, nunca a privou de sofrer preconceito, e
nunca privará - não enquanto o machismo e a gordofobia existirem.
O que torna a gordofobia uma opressão estrutural? O fato de pessoas
gordas serem inferiorizadas por nada mais, nada menos que seu peso, ou melhor,
por sua leitura social. A partir do momento em que a sociedade te lê como uma
pessoa gorda, seja "gordinha" (eufemismo extremamente ofensivo, por
sinal) ou "obesa", você passa a sofrer gordofobia. Obviamente, ela se
manifesta em níveis diferentes: pessoas consideradas obesas não têm acesso a
determinados espaços (exemplo: banco do ônibus; cadeiras da escola/faculdade;
cadeiras dos restaurantes num geral; etc.) ou passam enormes dificuldades para
acessá-los. A humilhação diária de passar pela catraca do ônibus e sentir os
olhares fuzilando seu corpo por simplesmente tentar viver, trabalhar e estudar
é extremamente dolorosa. A vergonha de se alimentar em público sabendo que
sempre haverá um homem para te abordar sem sua permissão só para te chamar de
"baleia". O medo de ser espancada, já que as ameaças, muitas vezes,
são constantes - inclusive, tenho uma conhecida que já foi espancada por ser
gorda. Ela perdeu dois dentes. Por ser gorda. Por ousar existir sendo gorda, se
aceitar sendo gorda, usar a roupa que lhe faz sentir melhor sendo gorda. É
chocante ter que escrever sobre uma mulher que apanhou por ser gorda, mas é
necessário; o preconceito contra pessoas gordas já chegou em níveis alarmantes.
Precisamos tratá-lo com a gravidade merecida, mas não é o que enxergo nos
espaços de esquerda/feministas. É facílimo lavar as próprias mãos e dizer que
ninguém é obrigado a achar pessoas gordas bonitas, ou dizer que o seu gosto é
puramente pessoal e individual, sem influência alguma de preconceitos
enraizados. Você pode achar que não tem responsabilidade, mas sim, tem. A
solidão das mulheres gordas, que as coloca em depressão e tentativas de
suicídio, está nas suas mãos também. Está nas mãos de quem se nega a
desconstruir a gordofobia interna por simples capricho; está nas mãos de quem
vê uma pessoa gorda sendo humilhada e assiste, como se fosse um teatro; está
nas mãos de quem pratica violências simbólicas contra pessoas gordas; está,
enfim, nas mãos de quem se recusa a refletir sobre seus privilégos magros e
sobre a gordofobia estrutural.
Ouçam nossos relatos, participem dos debates sobre desconstrução da visão
gordofóbica. Falem conosco sobre isso. Não fomentem os discursos de ódio
direcionados a nós. Você, homem cisgênero branco e magro que se nega a repensar
seu ódio a corpos gordos, também é responsável por tudo o que iremos passar ao
longo de nossas vidas como pessoas gordas. O seu ódio/nojo aos nossos corpos é
o ódio de toda uma sociedade contra nós. Responsabilize-se. E você, mulher magra,
também pense nos seus privilégios. Reflita sobre o que falei aqui; será mesmo
que você nunca foi gordofóbica? Nunca teve pensamentos gordofóbicos? Nunca teve
medo de ficar gorda? Será? Afinal, o que é gordofobia para você(s)?
Por Nathália Lausch
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